Casa Di Vina revive bar criado por Vinicius de Moraes em Itapuã
O novo projeto da Casa Di Vina tem sotaque baiano-modernista e abusa de muita arte.
No ano em que se completa 110 anos de seu nascimento, Vinicius de Moraes recebe uma homenagem pra lá de especial na Bahia, mais especificamente em Itapuã, bairro da capital que ficou marcado em sua obra. Na casa frente mar em que o poeta viveu com sua sétima esposa, a atriz baiana Gessy Gesse, local onde atualmente funciona o Casa Di Vina Boutique Hotel e Restaurante, será inaugurado uma nova versão do Bar do Pique, ambiente fundado pelo casal nos anos 1970 para reunir os amigos.
Ali, à época, o casal recebia visitas de figuras ilustres, como o pintor Calasans Neto, o escritor Jorge Amado e outros ícones da cultura brasileira. O contexto histórico rende curiosidades que colaboram com a criação da atmosfera que foram essenciais para o ‘batismo’ do bar. Se ‘Pique’ era sinônimo de animação para a turma de artistas, mas para Gesse o significado era outro. Na verdade, a ideia surgiu como um pedido de Gesse para ter mais tranquilidade no seu lar, que por sua vez estava sempre muito movimentado e com pessoas bebendo. “Poeta, vamos fazer um barzinho, um lugar pra esse povo todo beber. Cada um paga sua cervejinha ou seu uísque, numa boa. Vinicius topou e assim demos um pouco de paz à casa”, conta Gesse em seu livro "Minha Vida com o Poeta". Então o nome do bar também é uma referência à humorada frase “Se pique de minha casa”.
A concepção de reviver o Bar do Pique partiu das empresárias Renata e Luisa Proserpio, também responsáveis pelo hotel boutique Casa Di Vina. “Com a ideia de fazer um ponto de encontro para o restaurante, resolvemos trazer à tona essa história do bar de Vinicius e Gesse numa grande homenagem aos anos 70 na Bahia. Afinal, Vinicius, bebida e irreverência setentista tem tudo a ver. Os anos 70 na Bahia foram um momento histórico absolutamente apaixonante e revolucionário, que estamos precisando revisitar para fugir um pouco da superficialidade das redes sociais. Naquela época, os baianos estavam em busca de trocas, de sentimentos, de liberdade sexual, almejavam uma vida menos consumista e mais solidária, e as experiências lisérgicas eram meio para vislumbrar uma nova era de arte, paz e amor”, explica Luisa.
Além dos inumeráveis amigos intelectuais, músicos, escritores, colunáveis da cidade, o casal recebia gente como Toquinho, Baden Powell, Chico Buarque, Sergio Endrigo, Dorival Caymmi, Clara Nunes, Batatinha, Fafá de Belém e João Gilberto. E havia, para completar, levas de turistas, incansáveis e curiosos, que, por meios diversos, davam um jeito de encontrar a casa do poeta. “O espírito agregador e sincero dos anos 70 na Bahia é o espírito do Bar do Pique”, conta Luisa.
Baiano Zulu, um dos 50 mais influentes do mundo, assina a Carta
Para assinar a nova Carta de Drinques do Bar do Pique, as empresárias convidaram o mixologista Laércio Zulu, natural do Recôncavo Baiano e considerado um dos 50 bartenders mais influentes e inovadores do mundo. ‘Licença Poética’, ‘Regra Três’ e ‘Aquele Abraço’ são alguns dos drinques criados por Zulu exclusivamente para o Bar do Pique, usando ingredientes locais e homenageando a história da casa. Dono de uma coquetelaria livre, foi um dos primeiros bartenders brasileiros a valorizar os ingredientes nacionais e de comunidades originárias nas suas criações, ideia que lhe promove viagens e palestras por todo o mundo. Atualmente é mixologista do Grupo Saints em São Paulo, responsável por dez operações que vão de choperias a restaurantes de cozinhas internacionais.
Referências em cada detalhe
Quem assina o projeto arquitetônico é o escritório paulista Superlimão, que optou por seguir a linha do original, com ambiente boêmio, que representa tão bem Vinicius na Bahia. O design teve como referências os relatos e fotos compartilhados por Gesse no encontro com os arquitetos.
Para transportar o público à boemia criativa dos anos 1970, foi feito um painel de lambe com mais de cem mensagens e ilustrações da época: um convite a passear “com o olhar esquecido no encontro de céu e mar”. Nas paredes foram reproduzidos rabiscos e filosofias de porta de bar assinados por nomes que marcaram a cultura brasileira como Gal Costa, Antônio Carlos e Jocafi, Maria Creuza, e o produtor musical Roberto Santana, além de poesias do dramaturgo Gil Vicente Tavares escritas especialmente para o projeto.
Com vista para a Praia de Itapuã e à beira da piscina original do casal, com azulejos assinados por Udo Knoff, o bar traz um balcão escultural em granito Siena e tem traços orgânicos inspirados nas ondas do mar e nas curvas do violão, paixões de Vinicius. Seu desenho passa por diferentes alturas, em alguns momentos se apresentando como balcão e, em outros, como banco. Esculpidas em pedra, as curvas do bar aproximam as pessoas e permitem mais conexões entre os clientes, de acordo com a dinâmica do Hotel Boutique e do Restaurante. “Durante o desenvolvimento do projeto tivemos a sorte de beber um drink na varanda da casa, ouvindo a Gesse contar as histórias do Vinicius e seus amigos. Agora, com o bar pronto, todo mundo pode ter esta experiência”, comenta Lula Gouveia, sócio do Superlimão.
Casa Di Vina aposta no Superlimão para traduzir a visão lúdica do projeto
“O escritório foi escolhido por causa da sua linguagem lúdica em todos os projetos, assim como a preocupação com a sustentabilidade”, conta Luisa. Fundado em 2002 e atualmente localizado no bairro da Vila Madalena em São Paulo, o Superlimão é composto de um time criativo e multidisciplinar que desenvolve projetos de arquitetura e design, focados em inovação e sustentabilidade, em diversos lugares do Brasil e do mundo, sendo reconhecido por diversos prêmios nacionais e internacionais. Dentre os principais projetos estão clientes como Google, Microsoft, Subastor e Goose Island.
O sol que arde em Itapuã
Outra iniciativa de valorização da cultura baiana foi a ideia de refazer o vitral localizado no fundo da casa de Vinicius e Gesse. Instalado em 23 de outubro, o novo vitral em homenagem ao “sol que arde em Itapuã” tem desenho do artista plástico baiano Calasans Neto. “A ideia de refazer o elemento teve início numa conversa com Gesse que me contou sobre o antigo vitral de duas lindas cabras desenhadas por Calasans, que no local já não estava desde o ano de 2000 e cujos registros parecem ter sumido no tempo”, conta Luisa.
A primeira saga foi a de tentar encontrar o desenho original do vitral em contato com antigos moradores da casa, vizinhos, e fazendo busca profissional nos arquivos de Calasans. “A frustração de não encontrar o original deu lugar à empolgação quando Eduardo, da família de Auta Rosa e Cala, nos mostrou a foto de uma das grades verticais da antiga casa do artista plástico, com quase o mesmo formato do vão do vitral da casa de Vinicius. Achamos que, pela amizade dos dois, a coincidência era sinal de seguir em frente, usando o desenho solar do gradil de Cala para compor o novo vitral do poeta” conta Renata.
Em busca da melhor execução para a confecção do vitral, o arquiteto baiano Nivaldo Andrade indicou o professor José Dirson Argolo, que por sua vez indicou o melhor estúdio de vitral do Brasil: o Estúdio Sarasá, em São Paulo. A criação de Toninho Sarasá e sua equipe durou mais de um ano, com muitas idas e vindas, pesquisas e testes. Como o desenho de Calasans não tinha cores, por se tratar de um gradil, o maior desafio foi o de colorir as figuras. “Os primeiros testes tinham tons pastéis e eram lindos, mas não tinham a cara de Cala. Iniciei uma pesquisa numa coletânea do artista super especial feita pela Odebrecht e achei nosso sol vermelho. Depois disso foi mais fluido ir compondo com tons terrosos, por vezes soturnos. Calasans tinha um jeito nada óbvio de colorir as figuras, mas mais uma vez contamos com a ajuda da família do artista e chegamos a um belíssimo resultado, que os deixou felizes e a nós também” explica Luisa.
“A Casa Di Vina tem como missão resgatar a memória do imóvel, tesouro da cultura brasileira, e compartilhar suas histórias em um memorial aberto gratuitamente a turistas e baianos, que a partir do verão de 2024 também poderão conferir a novidade do Bar do Pique” finalizam Renata e Luisa Proserpio.
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